Relatório elaborado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e publicado em 2023 mostra relação entre mudanças climáticas provocadas pelo homem e as chuvas intensas na região
A relação entre as mudanças climáticas provocadas pelo homem e as chuvas intensas que atingem o Rio Grande do Sul foram relatadas pela primeira vez em 2023, em um relatório publicado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês).
No documento, os pesquisadores apontaram que existe contribuição humana para o aumento das precipitações desde a década de 1950 na região conhecida como Sudeste da América do Sul (SES), que engloba, além do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina e algumas partes da Argentina e do Uruguai.
Em entrevista à BBC News Brasil, Thelma Krug, vice-presidente do IPCC entre 2015 e 2023 e atual presidente do Comitê de Direção do Sistema Global de Observação do Clima, enfatizou que, apesar da chamada ciência da atribuição climática (que estuda o impacto da atividade humana na probabilidade de ocorrência de fenômenos específicos) ser ainda muito nova, as relações respaldadas pelo Painel indicam que chuvas extremas como as que castigam o estado gaúcho no momento tendem a se tornar mais recorrentes.
“Infelizmente, acredito que há uma probabilidade muito grande de que esses eventos voltem a ocorrer de uma forma mais frequente e intensa”, afirmou Krug.
Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília (UnB) e colaboradora de alguns dos relatórios do IPCC, explicou que o Rio Grande do Sul sempre foi o ponto de encontro de sistemas tropicais e sistemas polares. Isso cria um padrão que inclui períodos de chuvas intensas e outros de seca, e a tendência é que esse movimento se repita com cada vez mais intensidade.
“Essa é uma região onde vamos viver muito mais extremos, segundo os modelos climáticos”, realçou ela, que também é membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC).
A reportagem da BBC destaca que a tempestade que caiu sobre o estado gaúcho nos últimos dias pode ser explicada por uma conjunção de fatores de risco. O primeiro é uma massa de ar quente sobre a área central do país, que bloqueia a frente fria que está na região Sul e faz com que a instabilidade fique sobre o local, causando chuvas intensas e contínuas. O segundo é a influência do El Niño, fenômeno natural responsável por aquecer as águas do Oceano Pacífico.
Contudo, Bustamante apontou que há uma convergência de variáveis diferentes que atuam em sinergia e ampliam esse fator de risco. “Muitas das discussões sobre preparação se referiam a riscos de forma isolada, mas precisamos olhar para os efeitos em cascata e os riscos de forma integrada.”
Segundo ela, o crescente desmatamento no Cerrado fez a temperatura superficial subir e a quantidade de evapotranspiração (devolução da água à atmosfera) diminuir na região central do país. E, com menos retorno de umidade, a atmosfera fica mais quente e seca.
“Há um fenômeno regional, que é o El Niño, mas também uma questão associada à transformação dos nossos biomas”, comentou a professora.
Outro ponto é que a massa de ar quente que está sobre o Brasil bloqueia a umidade gerada pela Amazônia e que se dispersa por todo o continente sul-americano. Nesta situação, a umidade é obrigada a desviar pelas bordas da massa quente e úmida, de forma que esbarra nos Andes e é canalizada para o sul do país.
Bustamante disse que todo esse contexto tornou as chuvas mais extremas no Rio Grande do Sul. E Krug complementou que a influência humana aqueceu todo o sistema climático: o oceano, a atmosfera e a criosfera.
As especialistas foram categóricas ao afirmar a necessidade de ações de adaptação adequadas aos novos modelos climáticos para evitar novas tragédias em casos de futuros eventos extremos.
Dentre as ações propostas estão a ampliação da rede de monitoramento de dados ambientais e a modernização do mapeamento de risco elaborado pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. E o planejamento deve ser feito a níveis federais, estaduais e municipais e com o apoio de parcerias público-privadas, segundo as especialistas.
Apesar dessa necessidade, o jornal O Globo destaca que, no caso do Rio Grande do Sul, a prevenção a desastres naturais e o combate a enchentes ficaram de fora das agendas do governador do estado, Eduardo Leite, e do prefeito da capital Porto Alegre, Sebastião Melo, na época das eleições.
O jornal consultou seus programas submetidos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nos pleitos de 2022 e 2020, respectivamente, e constatou que essas questões não foram mencionadas nenhuma vez nos documentos.
Porto Alegre, no entanto, começou a tratar o problema das chuvas e outros temas relacionados ao clima no ano passado. A cidade iria entregar em julho um plano de ação climática, mas não está claro se seguirá o cronograma, pois não se sabe ainda o impacto a tragédia atual terá sobre as medidas sugeridas ou sobre os prazos de implementação.
Esse tipo de documento, segundo o portal Capital Reset, tem dois objetivos principais: identificar as fontes de emissões de gases de efeito estufa do município e pensar como reduzi-las, e apontar os vários riscos trazidos pelas mudanças climáticas, como inundações, erosões e deslizamentos de terra e ondas de calor.
NOTA DO AUTOR: Após as chuvas nos primeiros dias de 2025 e o alagamento de Porto Alegre, tive que ouvir e ler de várias pessoas (estudadas, com diploma, com instrução na vida) que a chuva foi proposital. SIM, bizarro pensar que as pessoas acham que algumas pessoas estão manipulando o clima sobre Porto Alegre para sabotar o novo “governo” na capital gaúcha. A burrice está sem horizontes.
